segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O uso da bicicleta como uma jaula antidemocrática

Li em algum dos últimos textos que é comum a tomada de causas de um povo dominante pela população que vive a dominação.

O texto era muito interessante e essa afirmação colocou-me a matutar um pouquinho. Lembrando a minha avó "A necessidade faz o ladrão". Isso quer dizer que as nossas ações são reflexos não somente das oportunidades que fomos expostos durante a nossa vida mas, também, daquilo que achamos como necessidade. Uma "necessidade mundial" comum nos últimos tempos é o apelo ao uso da bicicleta como transporte. Os argumentos vão desde que essa opção faz bem à saúde até a sua contribuição para o bem coletivo. Sem questionar o prazer que é andar de bike ou Camelo, para os "calangos do cerrado", e os bens que traz para a nossa saúde física e mental, pensar no seu uso como transporte é um exercício mental interessante.

Seguramente, o costume em usar a bicicleta como transporte, lê-se seguir para o trabalho, tem bases muito menos idealistas que as de hoje. Tomamos por base um agrupamento familiar com trabalhadores que vivem com um salário mínimo. Para que todos os desejos da família caibam dentro de seu orçamento, é preciso que os seus membros realizem opções de consumo diariamente (reforço o caso de tomada de um exemplo uma vez que essa opção é real para toda a população, mas em diferentes graus e formas). Assim como os primeiros homens que lutavam para garantir a morada em cavernas ou residências rústicas, o acesso a água e a manutenção do fogo, ainda vivemos com base nesta tríplice sustentação somente com a diferença que o fogo foi substituído pela eletricidade. A partir da conquista adequada destas condições de vida, há a necessidade de garantir a alimentação e o vestuário. Sem tentar pormenorizar as características destes quesitos de sobrevivência e muito menos detalhar em uma análise de custos, passo a assumir, que os gastos com moradia, água, eletricidade, alimentação e vestuário, são despesas mensais e fixas, no sentido de não poderem ser colocadas de lado, uma vez, que são requisitos para a manutenção da vida. Portanto, apesar de existir uma pequena margem de manobra destes custos (gastar menos água, menos luz, priorizar alimentos da época e gastar com roupas o mínimo necessário), não é possível eliminá-las do orçamento mensal.

Ainda, com um salário mínimo o certo é que a família viverá em regiões afastadas dos grandes centros urbanos e de trabalho. Desta maneira, a distância entre o local de casa e o local de trabalho deverá ser percorrida, 1) a pé; 2) transporte público; 3) de bike. A combinação entre as formas de transporte pode ser realizada de acordo com o interesse do trabalhador e considerando o que eu passo a analisar nos próximos parágrafos.

A primeira opção pode ser levada a cabo se ela não for de extremo desgaste e não significar a perda do trabalho por conta do cansaço. Se elocubrarmos o suficiente para perceber que a distância entre local de trabalho e de residência pode ultrapassar os cinco kilômetros, contando com a relação que quanto mais próximo do centro urbano maior é o custo da moradia, conseguimos chegar em um exemplo distinto. Logicamente que, para esse caso, há a preservação de uma perspectiva otimista para um local com pequenas distâncias e baixa importância econômica.  Caso o trabalhador consiga morar no limite desta distância, 5 Km, e lembrarmos que a velocidade média do ser humano é de 5 Km/h, chegamos a 2 horas como tempo médio de deslocação diária. Isso significa que durante a semana esse trabalhador caminha durante 10h somente para fazer o trajeto Residência-Trabalho-Residência. Apesar de estar exposto as condições climáticas, além de poder levar consigo equipamentos de proteção, como um guarda-chuva em tempo chuvoso, a própria arquitetura da cidade pode oferecer-lhe condições de proteção. Protegido, ele não precisa ter grandes preocupações em relação as condições que consegue chegar até o local de trabalho porque a intensidade da caminhada tomada neste texto está entre a caminhada leve e a moderada.

O uso do transporte público é a opção de quase a totalidade dos trabalhadores. Além de oferecer a proteção ao indivíduo e garantir que as condições de seu vestuário não se alterem, ao tomarmos a velocidade média de um ônibus, a opção mais comum de transporte público, de 20 Km/h, a distância de 5 Km é vencida em 15 minutos. Assim, ao invés das 10 horas a pé para o trajeto residência-trabalho-residência, utilizando o ônibus, serão 2,5 horas mensais de deslocamento.  Contudo, essa opção pode transformar-se em uma fonte de despesas mensais fixas, mesmo quando os seus custos possuem a modalidade de co-participação empresarial ou governamental (no caso do Brasil o trabalhador arca com 6% de seu salário). Para uma família com trabalhadores, a análise destes custos é real e pode se mostrar comprometedora. Ainda, é preciso perceber a qualidade dos serviços do transporte público. Se os serviços conseguem manter o cumprimento aos horários planejados e a manutenção mecânica dos transportes, torna-se uma opção segura e confiável para qualquer pessoa que os utilize. O seu uso, portanto, é proporcional a qualidade de sua oferta. Em Alemanha, Holanda, EUA, Inglaterra, França e outros países que assumem essa consciência, o transporte público é utilizado por grande parte da população e de diversas classes sociais.

Tendo a locomoção a pé como gasto de considerado tempo e o transporte público como um possível gasto de dinheiro, vejamos o uso da bicicleta. Considerando que o trabalhador não possui qualquer intenção em fazer uma corrida com os veículos e planeja chegar ao local de serviço sem a necessidade inevitável de um banho, assumo que a velocidade média de 15 Km/h é bastante factível. Assim o tempo de 20 minutos pedalando, necessários para percorrer a distância entre a residência e o trabalho, é muito menor que o gasto a pé e um pouco superior ao tempo gasto pelo ônibus. Sendo uma boa alternativa no quesito tempo, analisaremos as despesas com a bicicleta. Os custos da bicicleta estão concentrados em sua própria aquisição uma vez que a manutenção pode ser feita pelo próprio dono e não há, de partida, como prever as despesas de manutenção sem um esticar da imaginação até o determinismo. Uma rápida pesquisa na internet sobre bicicletas novas (rede Continente e rede Extra de Supermercados) demonstra que, ao considerar as mais baratas, o preço de venda pode variar entre 20% a 40% do Salário Mínimo. Tendencialmente, o percentual menor de participação no  Salário Mínimo é em Portugal e o maior, no Brasil. Para título de exemplo, como é este texto, e julgando que a tomada do percentual de 20% não afeta a proposta que aqui se trabalha, assumo esse índice como parâmetro geral. Portanto, enquanto o valor para o transporte público de um trabalhador, tanto em Portugal quanto no Brasil, gira em torno dos 6%/mês do salário mínimo, a compra de uma bicicleta compromete 20% de seu salário. Porém, para não esquecer de minha origem contábil, é preciso percebermos o comportamento das despesas no tempo. Enquanto o custo com a bicicleta ocorre um única vez em 12 meses, o do transporte público ocorre 12 vezes, uma vez que é mensal. Assim, para um salário mínimo de 724 reais a despesa com a bicicleta, em 12 meses, é de 143 reais e com o ônibus é de 521. Portanto, considerando o item custo, a bicicleta aparece como uma opção mais vantajosa que o ônibus.

Mas, por outro lado, assim como é necessário realizar uma ginástica com os números para justificar a vantagem da bicicleta sobre o ônibus a partir dos custos anuais, caminho semelhante deve ser tomado para indicar o uso da bicicleta como uma opção criativa e, acima de tudo, social. Quem, algum dia, tentou fazer o trajeto residência-trabalho-residência de bicicleta, sabe que é preciso uma verdadeira logística e infra-estrutura para garantir as suas condições de igualdade perante os colegas que utilizam outros tipos de transporte para chegar ao trabalho. Primeiramente a logística. Antes de se aventurar no transporte de bicicleta, é preciso conhecer o trajeto mais favorável e o tempo necessário para percorrê-lo. Assim, além de não se meter na guerra com os carros, correr o risco de utilizar caminhos longos ou descobrir obstáculos repentinos, a pessoa consegue organizar o seu tempo desde a hora que acorda até a de início de seu expediente. Logicamente, essa opção somente é possível para quem não tem crianças pequenas ou o/a parceiro/a assume a responsabilidade de acompanhá-las de maneira integral. Vencida a logística, o candidato ao uso da bicicleta como transporte coloca a prova a sua consciência sobre a realidade. Além de constatar que o trânsito pode ser um local que repele o seu veículo conduzido por força humana, verá que é preciso ter em seu local de trabalho, ou por perto dele: estacionamento para bicicletas e um balneário que ele possa se recompor tanto do eventual esforço físico quanto do vestuário que, por precaução, não deve ser o mesmo que utilizou para andar de bicicleta. Sem correr qualquer risco, afirmo que o candidato encontrará quase nenhum local para estacionar sua bicicleta, a não ser em postes públicos ou árvores, e muito menos empresas que possuem, elas próprias, vestuários ou algum tipo de convênio que seus trabalhadores possam usufruir. Ao constatar todas as dificuldades para levar a cabo ao que se pretende, somente com muita criatividade que o adepto ao uso da bicicleta consegue encontrar razão para continuar com essa ideia. Mesmo constatando que não existe infra-estrutura mínima para o uso da bicicleta como meio de transporte para o local de trabalho, ainda há pessoas que conseguem fazer exercícios argumentativos suficientes que podem cansar até mesmo o mais paciente ouvinte e até simpatizante da proposta.

De longe já se sabe que a realidade dos trabalhadores, principalmente no Brasil, é objeto de preocupação de parcelas muito pequenas da sociedade. Muitas vezes, até aqueles que se enquadram como trabalhadores, refutam o exercício de verem a sua realidade, colocando seus desejos em campos que não são os da melhoria da sua própria qualidade de vida. Por isso o argumento prático utilizado até aqui não chega até aos que possuem a consciência "social" do uso da bicicleta. Não adianta seguir uma linha argumentativa semelhante a construída acima porque, no Brasil, a cabeça dos militantes do uso do veículo de propulsão humana não está no trabalhador ou na melhoria da nossa sociedade, mas, sim, na consciência "global" e em redes sociais.

Fora da necessidade do trabalhador em conseguir economizar os seus recursos por meio do uso da bicicleta, em cidades como a Berlim, por exemplo, onde há uma interação entre os tipos de transporte e todos são de qualidade, o uso da bicicleta torna-se uma opção real por causa, também, da geografia. Caracterizando-se como uma cidade plana, a pessoa que utiliza a bicicleta não possui muito esforço em vencer as distâncias que desejam. O clima também favorece porque com baixas temperaturas o ciclista consegue manter a sua preocupação com a transpiração em baixa. A questão da logística depende somente de encontrar um caminho adequado para realizar o trajeto porque além de conseguir manter um nível de apresentação pessoal adequado, consegue encontrar um estacionamento para deixar a sua bicicleta com certa facilidade. Em relação a preparação da comunidade para aceitar o trânsito de bikes, há espaços específicos para esses veículos, fazendo-o parte do trânsito local. Desta maneira, não havendo maiores preocupações para melhorar as condições do transporte público e pela própria cidade estar adaptada em acolher os "bicicleteiros", militar pelo uso da bicicleta como uma alternativa ao modelo do automóvel faz todo o sentido.

É nesse alemão e em suas ideias de ajudar o social que a elite burguesa do Brasil, digo, classe média brasileira, milita no uso da bike em nossas terras. Essa utilidade da bicicleta somente faz sentido na cabeça das pessoas que se dizem "conscientes" de nossa realidade, que conhecem o que acontece fora do Brasil, que participam de um movimento mundial e que, no fundo, junto com o seu visual e seu moderno Iphone, quer mesmo é gritar: Eu sou Cult!!!! Infelizmente, são esses os mais descolados da nossa realidade. Como argumentar tal proposta se a militância pelo uso de transportes públicos parece ser o caminho mais democrático e libertador para toda a sociedade? Democrático porque ao conseguirmos implantar o transporte público com qualidade, todas as pessoas poderão usufruir do mesmo direito de ir e vir, com as mesmas condições. Ao passarmos a usar o transporte público, logo, ele torna-se nosso e, esse sentimento de posse de um bem público transfigura-se em um de pertença a comunidade, onde o bem que eu luto para melhorar a vida privada reflete no ganho público de qualquer luta onde os laços comunitários são fortes. Ao termos um transporte público de qualidade, podemos escolher não somente aquele que menos impacta no bolso mas, também, o que oferece a melhor qualidade de conforto e segurança. Com a liberdade de podermos escolher, tomamos consciência que as nossas opções no uso do bem público também impacta na melhoria individual que buscamos. Essa liberdade é muito diferente daquela em que a atenção do virtual e a satisfação pessoal na pseudoideia de apoiar o social se assentam.

Antes de nos enjaularmos em ideias importadas e que ao mais leve salutar olhar crítico demonstra que são muito difíceis de se assumir, em uma realidade completamente diferente, devemos reconhecer a nossa cidadania global a partir de mudanças locais. A frente da militância do uso da bicicleta como uma forma de diminuir a quantidade de carros no trânsito e "poluição do planeta", tangenciando o bem-estar social mundial, está a luta para (re)democratização do transporte público e melhoria de sua qualidade. É a militância para o público que impacta no privado. Nestes termos, o perfil da pessoa "Cult" e antenada com a "rede", deve ser substituída pela pessoa consciente e presente na realidade.







terça-feira, 11 de novembro de 2014

Um pouco de mudança

Eu comecei, de fato, o doutoramento neste semestre. Estou na Universidade que eu queria, com a minha família e uma boa situação financeira. Não passamos qualquer dificuldades, as crianças estão nos esportes que gostam e eu tenho o tempo que nunca tive: Tempo de estudo.

Como eu sempre trabalhei e, em alguns anos na minha vida, trabalhava em dois lugares, tudo sempre foi muito corrido e me acostumar não somente com o ritmo da cidade, Coimbra é uma cidade pequena, e deste novo trabalho deixa-me um tanto perdido. Frequentemente percebo o meu pensamento longe, em Brasília, Londres, Paris, Ottawa, São Francisco... enfim, em algum lugar que eu percebo poder estar após o doutoramento. Gosto muito de viver esta fase em que me encontro, mas o isolamento de todas as pessoas que conhecemos é muito novo e não estou acostumado. E, então, fico em um meio de campo complicado, estou em um lugar onde sei que não posso fazer muitos planos e, ao mesmo tempo, não tenho qualquer vínculo profissional de onde eu parti. 

Como não tenho muita saída, a não ser aproveitar tudo o que eu tenho hoje, as minhas escolhas sobre o que fazer são bem limitadas. Se por um lado parece fácil em fixar o pensamento de viver o hoje, por outro, há a insegurança de não saber o que vem pela frente. Também sei que essa falta de alegria em olhar para frente é um tanto de um momento deprê que me encontro. Eu tenho que encontrar, de maneira urgente, uma forma de fazer com que o dia fique mais prazeroso e iluminado para seguir. 



  

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Resumo 02: Research “in the wild” and the shaping of new social identities

RESUMO 02
Autor(as/es): Michel Callon e Vololona Rabeharisoa
Infos sobre o/a/s autor/a/s:
 Callon:http://www.csi.ensmp.fr/en/equipe/membres-d-honneur/michel-callon
 Rabeharisoa: http://www.csi.ensmp.fr/en/equipe/chercheurs/vololona-rabeharisoa
Título: Pesquisa "na selva" e na formação de novas identidades sociais

Os estudos que envolvem a relação dos cientistas e não cientistas com as pesquisas em saúde, até a pouco tempo, não tinham atenção de grande parte dos estudiosos porque 1. apesar de vários interesses, os mesmos que direcionavam as pesquisas eram, ao fim, os consumidores finais. E mesmo esses não participam de maneira igual pq somente alguns são consultados e acabam tornando-se prisioneiros de modelos criados por outros agentes econômicos. 2. As formas que as políticas são realizadas, principalmente, quando consideradas a mobilização para tecno-ciência. 

O texto tem o obejtivo de apresentar as novas formas de produção do conhecimento como uma pesquisa "na selva" onde os grupos de contestação são capazes de trabalharem cooperativamente com os cientistas na produção do conhecimento.

Dentre as formas de trato com os cientistas para a produção de conhecimento há as organizações auxiliares qye são caracterizadas pela manutenção da divisão entre experts e leigos; as Organizações de Oposição, constintuem-se como uma negação a condição de paciente sob o conhecimento científico e comunidade médica. Exemplo destas é o movimento dos implantes cocleares; e as Organizações Parceiras, que buscam construir uma paridade entre especialistas e pacientes.

Ao deparar o conhecimento entre experts e leigos, de partida, nota-se a ignorância, do segundo, em relação ao conheicmento acadêmico mas, por outro lado, percebe-se o seu grande realismo e conhecimento prático. Ao tomar esses dois tipos de conhecimento (científico e leigo), percebe-se que são complementares e, intrinsicamente, não são diferentes. Nesta base, as pesquisas podem ser colaborativas.

Assim como nas pesquisas científicas, o conhecimento produzido pelas associações, e que os autores toma a AFM como exemplo, é baseado em experimentos, instrumentos e procedimento para visizaliação, formalização, evaluação, acumulação e escrita. Contudo a pesquisa na selva superam as científicas porque além de utilizarem os mecanismos destas, não tensiona ficar isolada, desenvolvendo ações para promover a troca de relação entre pesquisadores, clínicos e pacientes. A relação dos pacientes com os médicos é de um mesmo patamar, de complementariedade.

A intereção entre especialistas do campo e especialistas do laboratório, ocorrem 1. para uma construção de identidade dos autores, seja o paciente ou o médico/pesquisador; 2. de maneira estratégica, seja para produção/início/investigação de formas de tratamento; 3. novas formas coletivas que se assentam, principalmente, na investigação.

Com o avanço das pesquisas genéticas, atualmente, há uma centralidade dos estudos com este argumento. Por exemplo, como a AFM possui os recuros do Teléthon, uma forma de responder as críticas sobre as pesquisas que desenvole para as distroficas musculares, a AFM inicia as pesquisas genéticas para outros tipos de doenças e não somente para as distrofias. Por outro lado, ao demonstrar que as doenças genéticas podem acontecer com qualquer indivíduo, as campanhas também despertam os sentimentos de solidariedade e compaixão.

Ao mesmo tempo que há a construção de uma identidade coletiva nos termos da bio-sociabilidade de Rabinow há, tb, aqueles que ficam a parte seja pela preocupação em não reduzir o problema a uma questão genética, seja pela grande medicalização existente

Resumo 01: A pesquisa em saúde nas ciências sociais e humanas: tendências contemporâneas

RESUMO 01
Autor: João Arriscado Nunes
Infos sobre o/a/s autor/a/s:  http://www.ces.uc.pt/investigadores/cv/joao_arriscado_nunes.php
Título: A pesquisa em saúde nas ciências sociais e humanas: tendências contemporâneas


Conforme o autor, a participação do cientista social na área da saúde vem, cada vez mais, tomando um lugar assertivo nas discussões realizadas sobre a saúde. Esse aumento da participação pode ser verificada por diferentes indicativos, seja pelo crescimento do número de publicações especializadas no tema, seja pela incorporação das ciências sociais e de suas contribuições da formação da pesquisa em saúde.
O projeto ITEMS foi uma iniciativa realizada no contexto europeu e identificou quatro grandes eixos temáticos da pesquisa em ciências sociais sobre a saúde: as transformações das ciências biomédicas, a participação dos usuários nos debates sobre o tema, o papel da tecnologia e da comunicação e as articulações da saúde com temas políticos e sociais. Deste, originou-se o projeto MEDUSE com o objetivo principal de explorar a participação dos novos atores sociais e coletivos na área da saúde.
A biomedicalização é definida como um processo central que possui cinco componentes: economia política no setor da saúde, ênfase em saúde (ao invés da doença), incorporação de outros saberes na medicina e a transformação dos corpos.
Os objetivos do texto são o de caracterizar os principais eixos temáticos e orientações das ciências sociais em saúde e propor uma participação dos cientistas sociais no campo da intervenção dos domínios da saúde.

Eixos e orientações de pesquisa sobre saúde nas ciências sociais

São elencados cinco eixos.

O eixo da biomedicalização atua em diversas áreas e, na verdade,fundamenta grande parte das alterações surgidas na área da saúde. Em particular a biotecnologia como uma maneira de manipulação da vida, trouxe a capacidade de redefinir os conceitos de saúde, doença,doente e intervenção médica, criando novas entidades, como: mães de aluguel, os doentes saudáveis, o conceito de morte, a correção da natureza, recuperação do conceito de raça, divisão biossocial e a criação de biobancos.
A medicina preventiva, orientada para prevenção e diagnóstico, está a ser alterada para uma de vigilância, da gestão do risco, caminhando para uma medicina regenerativa, para formulação dos medicamentos sob medida, em função do perfil genético.
A articulação da saúde para um campo de biopoder ganha, cada vez mais, maiores reforços.

A diferença entre a velha e nova saúde pública está assentada, principalmente, sobre a forma de entender a saúde no ambiente. Enquanto a nova faz uma relação das doenças que podem surgir no ambiente -contaminação da água, do ar etc. -, em uma visão da globalização, a velha estava com a atenção aos problemas para garantia das condições de vida. O alinhamento entre as duas é facilmente identificado quando os problemas da saúde envolvem um caráter de globalização. Há uma necessidade de redefinição dos saberes relacionados a intervenções da medicina na saúde e a atenção para surgimento das novas modalidade de institucionalização da vigilância em saúde(governação x democratização).

O público e o privado se confundem com as visões do direito sobre um e outro. A partir do momento que os cidadãos passam a buscar proteger suas necessidades individuais o público começa a perder espaço. Principalmente quando essa diferença recai sobre a garantia de direitos para os mais ricos. A privatização da saúde, o aumento do aparato tecnológico para o seu monitoramento, a sua domicialirização acabam por transferir para o cidadão a responsabilidade de cuidados em saúde que, a grande maioria das vezes, recai sobre as mulheres.

A participação dos cidadãos, pela ação coletiva e participação pública, na construção da saúde é realizada pelas associações, encontros e outras iniciativas que buscam criar uma resposta a demandas não formuladas pelo governo.As formas de ONGs na saúde são muito heterogêneas e com diferentes propósitos sendo, em alguns casos, regidas pela cartilha neoliberal onde os pacientes e necessitados da saúde são postos de lado.
Diante das discussões e reflexões sobre democracia participativa x representativa, a principal questão é: É possível uma saúde para todos/as?

A saúde é um direito fundamento do ser humano e portanto deve ser defendido. A definição da saúde como uma forma solidária de existência é a base para formulação de políticas e participação do pesquisador social nesse campo. A garantia a saúde é defendida de maneiras diferentes entre o norte e o sul, onde esse é uma metáfora a todas as formas de opressão e exclusão. A retirada dos indivíduos que sofrem algum tipo de discriminação da participação pública somente agrava a sua vulnerabilidade.

Para uma concepção solidária da pesquisa sobre saúde em ciências sociais e humanas
 

Na última parte do artigo, o autor argumenta que a concepção solidária diz respeito a participação do cientista social na promoção de qualquer atividade que garanta a saúde como um direito fundamental e, principalmente, a realização de ações que promovam o aparecimento de qq forma de discriminação ou exclusão do exercício desse direito.
- Produção do conhecimento biomédico em saúde;
- Denúncia a violações do direito a saúde e dos direitos humanos;
- Produção coletvia de testemunhos de privação e qualquer tipo de sofrimento;
- Reconhecimento da saúde como um direito de todos;
- Definição de formas de ação afirmativa;
- Pesquisa de maneiras participativas sobre ações de promoção e defesa da saúde;
- Promoção ou facilitação dos cidadãos no debate público;
- A reorientação da bioética e da ética médica.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Ação para Doenças Raras no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

No dia 23 de setembro de 2014, na sala 01 do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra-Portugal, sob a coordenação da prof. Dra. Sílvia Portugal e do doutorando em sociologia e bolsista da CAPES, Rogério Lima Barbosa, aconteceu o seminário Experiências e Trajetórias de Cuidados de Saúde: as Doenças Raras em Debate. Com a proposta de criar um espaço para o debate entre a academia e a comunidade, o seminário contou com a participação de cientistas, docentes, ativistas, pacientes, pais, mães e familiares de pacientes.

A abertura foi realizada pelo prof. Dr. João Arriscado Nunes. O prof. Arriscado possui vários trabalhos publicados sobre o envolvimento dos pacientes na construção de saberes e influências que exercem sobre os médicos. Atualmente, consta como um dos cientistas sociais mais influentes na área da saúde. A partir de trabalhos realizados em Portugal, Brasil e com grupos de França e Inglaterra, abordou a dificuldade dos profissionais de saúde em ouvir o paciente de maneira atenta e participativa. Citou o estudo realizado no Brasil onde, a partir da alteração da forma de atendimento dos profissionais médicos ao paciente, foi possível constatar o local e a forma de contaminação de algumas endemias regionais.

O prof. Dr. Jorge Cequeiros, professor Catedrático de Genética Médica no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e Director do Centro de Genética Preditiva e Preventiva do Instituto de Biologia Molecular e Celular, da Universidade do Porto. Apresentou a importância e o crescimento das análises sobre o sequenciamento genético para a prevenção e o acompanhamento das doenças genéticas. Também apresentou o andamento dos planos nacionais para as doenças raras na Europa. O professor é membro ativo do projeto Orphanet em português. https://pt-pt.facebook.com/Orphanet.PT

De uma perspectiva inovadora a prof. Dra. Helena Canhão, da Universidade de Lisboa, apresentou o projeto Patient Innovation, https://patient-innovation.com/. O projeto, que possui o apoio de organismos internacionais, busca conseguir junto aos cuidadores dos pacientes com doenças raras, inovações que tenham impactado na qualidade de vida dos pacientes. Um ponto interessante tangenciado pela a sua apresentação foi a relação entre o médico e o paciente. De uma pesquisa realizada com aproximadamente 500 pessoas, somente 7 deram conhecimento aos médicos sobre as inovações que realizaram para mudança na vida daqueles que cuidavam.

O prof. Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e Diretor da Associação Mineira de Neurofibromatose(NF), realizou uma apresentação que equilibrou experiência pessoal com experiência profissional. Pai de uma pessoa com NF, sinalizou a importância dos pacientes assumirem o seu papel de serem os primeiros cuidadores de si próprios e a importância do envolvimento familiar no acompanhamento dos indivíduos.

O doutorando Rogério Lima Barbosa, apresentou parte de sua pesquisa de mestrado que foi elaborada sob forte influência de sua experiência como militante, a frente da AMAVI. Além de sinalizar a influência do poder que as indústrias farmacêuticos realizam no campo das Doenças Raras, apresentou o Modelo Utilitário do Cuidado – MUC. Segundo esse modelo, a sequência de ações para aprovação do Orphan Drug Act nos EUA e na Europa é a mesma que está em andamento não somente no Brasil mas em toda a América Latina. O MUC ainda destaca a instrumentalização de todo o campo das doenças raras para a venda do medicamento e a retirada do paciente do centro de debates sobre as doenças raras.

Com a intervenção da prof. Dra. Fátima Alvez, a primeira parte do seminário foi encerrada com o reforço sobre o poder do Mercado sobre o campo e o debate sobre a importância da informação e, também, da não informação. Notadamente atentos ao que se pode construir a partir das informações sobre o sequenciamento genético dos indivíduos e da própria família.

A segunda parte do seminário foi dedicada ao debate. Iniciada pela intervenção do Sr. João Veloso, pai de uma criança com Síndrome de Reth. O Sr. João, salientou a forma como os pais acabam por tornarem-se especialistas nas doenças e, muitas vezes, orientam os próprios médicos que acompanham as suas crianças. Por intermédio do Sr. João, houve a apresentação da música elaborada pelo pai de uma criança com autismo.

Após o levantamento das questões apresentadas pelos presentes e as considerações finais do pesquisadores, o seminário foi encerrado por volta das 19:00hs.

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