sábado, 5 de março de 2016

Você não entende

Nos últimos tempos, ando pensando em não usar o FB ou o zapzap. Bem, este eu já não participo de qualquer grupo familiar porque tudo gera em torno de replicar em um grupo familiar as charges e a "a ideia politica" que aparece no FB. Seria ótimo se houvesse o debate político, em um grupo familiar, para toda a gente, oposição ou não. Mas não é o que acontecesse. As poucas vezes que dei uma visão contrária às charges ou notícias jornalescas, baseado em textos públicos e de fontes diversas, chamaram-me a atenção e vi os questionamentos: Vc não está no Brasil! Pensei que fosse esclarecido! Vc não entende nada!!!.. enfim, ataques pessoais e ofensas diretas. Por opção e para manter a minha calma, optei por não participar dos grupos familiares.

O FB é uma selva midiática que consome o nosso tempo sem, contudo, ser permeado por lucidez. Tanto que, quando pretendo passar o tempo sem pensar em muita coisa, é lá que fico lendo o que surge. Mas, lá tb há muita ofensa. A pessoa que posta charges chamando cidadãos que votaram em ideias divergentes as suas, são expostas como ignorantes e, até literalmente, burras. Quem faz isso não entende o que sentimos. É triste ver um ataque frontal e direto. Ainda mais quando lembramos que essas pessoas tb votaram no passado. Como elas podem achar que sempre votaram corretamente? A tristeza não é somente ver ataques pessoais, marginalizando um outro pensamento, mas, também, ver que as pessoas não enxergam a armadilha que se encontram. Por sorte, eu descobri o botão de não seguir no FB. Utilizei-o amplamente para não seguir aqueles/as que abusam nas ofensas e, claro, com colegas que consigo manter as divergências e conversas baseadas em fatos, ainda os sigo. Mas o restante, já não fazem parte de minha leitura ou atenção, mesmo que os mantenha como amigos/as e lembrando dos ótimos momentos que tivemos juntos. Tb isolei-me do FB por me sentir um estranho.

Mas nunca me senti sozinho ou desiludido. Mas ontem, ao ver aquela parafenália para a prisão de um ex-presidente, confesso que fiquei abalado. Era como eu estivesse recebendo uma cacetada na cabeça e dizendo: Volte para o teu lugar!!! Apanhe calado e você não tem direito algum de levantar a tua voz! Será que poderia acontecer o mesmo com o FHC, Lula, Alckmim ou até com o Maluf

Foi triste. E isso me marca como cidadão. Ali não era o Lula, mas o que se conseguiu com a sua ascenção. Me vi escoltado, escurraçado, humilhado.... eu vi o seu olhar irônico me dizendo: Volte para o teu lugar. Eu ouvi suas risadas e piadas na minha cara. Eu senti a bílis e a dor em saber que qualquer argumento para trazer alguma luz, será ridicularizado e amordaçado pela violência verbal e, podendo chegar a física. Porque sei que agora você mais do que nunca, pensa: Eu faço porque eu posso!. E eu não posso. Não posso dizer o que penso de maneira livre, eu não posso levantar e dizer a verdade evidente, enfim, eu não posso!

Eu não posso, porque vc não entende o que eu digo ou não quer entender. Todas as vezes que eu levanto alguma ideia, baseada em outras leituras que não a tua, vc me ofende, me pergunta se estou no Brasil e até se sou brasileiro. Vc vomita todo o seu conhecimento sobre o agora e esquece a nossa história e, tampouco, quer saber da minha história.

Assim como você, cresci em uma família da classe média em Brasília. Tb acho a minha cidade a mais bonita de todas e me indigna quando os não brasilienses, apesar de jogar o lixo deles em nossa cidade, enchem o peito para dizer que lá só tem bandido. Li Veja e assistia Globo. Às vezes outros canais e somente quando a Net ficou mais barata, comecei a ver os Telecines. Nunca fui rico, mas o que a minha família me deu foi extraordinário e o melhor que eu poderia ter. Eu conheci a história de meu pai aos 15 anos. Ali passei a idealizar algo que ficava entre o herói e o bandido. Ali eu percebi que a minha história era diferente. Mas eu não te falei. Tinha vergonha de falar que meu pai, como médico, atuou politicamente em 1964, levou-me, ainda novo, e a minha mãe para Aruanã, uma cidade no Araguaia. Não queria que vc soubesse que o prefeito da cidade e alguns políticos não gostavam dele de forma alguma, em compensação, toda a gente sempre falava com ele. E, muito menos, me horrorizava em dizer-lhe que não sabíamos o que aconteceu com ele, a partir de uma viagem que retornava à Aruanã. Dessa viagem e do seu sumiço, surgem várias teorias que nenhuma se encontra. Cresci ouvindo que meu pai era diferente e que ele ainda poderia estar vivo, em alguma parte da Colômbia ou Venezuela, como disse meu tio e teu melhor amigo dentro da família, ou ter sido morto durante aquela viagem, como outros argumentavam. Enfim, com o tempo e com as minhas pesquisas, seja em Brasília ou em sua cidade Natal, Curitiba, poucas informações se cruzavam, entre elas, a total ignorância sobre o que aconteceu e o fato que ele e a tua primeira esposa tinham sido presos e torturados durante aquela época. Eu não poderia contar isso para vc. Éramos da mesma turma, andávamos pelos mesmos lugares e, lá, não tinha nenhum tipo "dessa gente". Mas também te confesso que não ficava pensando muito nisso. Afinal, tínhamos uma vida inteira pela frente, apesar desse detalhizinho na minha história.

Segui a minha vida e fomos para  Universidade. A Universidade... A UnB foi a melhor experiência pessoal de minha vida. Lá eu comecei a perceber que a minha história era interessante e que das cidades satélites não saiam somente empregadas domésticas, encanadores, pedreiros ou serventes. Foi um tempo rico e de intensa experiência. Lá eu também achei a placa de formatura com o nome do meu pai. Resgatei o teu histórico escolar e vi que eu tinha a quem puxar em relação as minhas notas. E, acho que, como por encanto, compartilhei com vc um pouco de minha história. Apesar de eu conhecer a tua história. Contava-lhe uma coisa aqui e outra acolá, mas sempre em segredo. Afinal, eu tinha um tanto "daquela gente" impregnado em meu ser. Tudo foi bem, crescemos, tivemos nossas vidas e famílias. Mas no início de 2000 algumas coisas começaram a mudar lentamente, até chegar uma completa ruptura em 2010.

Foi em 2010 que eu comecei a retornar para os bancos da UnB. Acho que as leituras na fase adulta, apesar de atribuladas, são libertadoras. Por outro fato pessoal, foi também nessa época que eu percebi que estamos em posições totalmente diferentes. Mas, desta vez, eu não precisava ficar calado. Afinal, o cheiro "daquela gente" que eu tinha era muito mais agradável do que eu pensava. Confrontar os meus medos era muito mais prático e saudável que guardar e ruminar. Eu já não precisava esconder da onde eu vim ou o que eu pensava. Eu estava ali, confiante que, afinal, a minha história, como a sua, é linda. Que eu poderia me posicionar de uma forma totalmente diferente que a tua e de seus novos amigos. Que eu, afinal de contas, não precisava esconder que a minha história e as minhas vivências me colocaram em uma posição muito diferente da sua e da maioria, pq eu passei a me ver como pertencente a minoria.

Hoje, nós pensamos totalmente diferente. Enquanto que vc pode lutar para melhorar o que você tem, eu me esperneio para tentar garantir o pouco que consegui e, quem sabe, conseguir mais algumas coisas que podem melhorar o meu estado e de minha família. Não te vejo como um inimigo. Crescemos juntos e, quem sabe, se eu continuasse a viver do mesmo jeito ou se a nossa história fosse mais parecida, poderíamos até continuar pensando igual. Mas não é o caso. Confesso que, algumas vezes, fiquei com muito receio de contextar você. Mas, com o tempo, eu percebi que vivemos em um país onde toda a gente pode dizer o que quiser e, apesar de eu ser minoria, o direito é igual para toda a gente.

Foi duro ver o que aconteceu ontem. A primeira vista não entendi muita coisa, ou, quase nada, ou nem sei se vou entender. Mas ver um ex-presidente sendo levado daquela maneira, não me deixa confiante ou feliz. Se fosse o FHC, o sentimento seria o mesmo. São ex-presidentes de nosso país. Mas ver uma caça direcionada para um, sem considerar o outro e seus próximos, é claro que me perturba. Por que somente com o trabalhador e representante da "minha gente"? Por que, no passado, somente os presidentes ligados a classe trabalhadora não concluíram os seus mandatos e, no presente, são caçados desta maneira? Por que o mesmo não acontece com o prof. FHC? Por que, com tantas provas já publicadas diversas vezes, inclusive em livro, Privataria Tucana, não foi dada a mesma atenção? Os memorandos, as assinaturas, os comprovantes de despesas, estão todos lá para quem quiser ver! Será que foi coincidência a articulação entre a Justiça, a PF e a mídia? Eu acho que não. E é aí que vc me lembra que ser minoria em nosso país é duro. Tenta me lembrar, com essa parafernália da mídia, que não devo levantar a voz para contestá-lo. É assim que vc tenta destruir o orgulho que estava em construção dentro de mim. De poder falar abertamente, de não esconder o que eu penso, de contestar, enfim, de viver livremente, como vc.

Sim, foi um baque! Dói! e não aidanta lhe dizer que a dor é mais do que o sentimento para uma pessoa ou partido. Não adianta argumentar o que aquilo significa para mim. Você não importa com qualquer argumento que eu possa apresentar para me aproximar de você para, quem sabe, encontrarmos pontos comuns. E apesar de, repetidamente, eu lhe falar que eu defendo uma ideia à esquerda e não um partido, que não tenho vinculação política, vc somente me dirá: PTista filho da puta!!!

Enfim, espero que, no futuro, possamos seguir em frente, mesmo em posições distintas. Porque eu sei que o meu desânimo de agora é passageiro e essas linhas ajudam-me a ficar em pé novamente. Eu sei que continuarei de cabeça erguida e com a minha voz. Não vou ficar calado mas, também, não há o porquê chegarmos a alguma violência. Principalmente com vc, meu amigo. Vc é importante demais em minha história e, por isso, não ficarei calado. Mas, com licença, tenho que me organizar por aqui, já não me sinto como um estranho. Até breve.

Sds.


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