segunda-feira, 2 de abril de 2012

Por onde Começar?

Bem, como diria as pessoas mais diretas:

- Pelo início!

Mas, certamente, se fosse um início tão simples a pergunta não estaria a passar pela cabeça de tantas pessoas sejam profissionais da saúde, pacientes, familiares e até, quem sabe, pela cabeça do ministro da saúde do Brasil.
O ambiente que é comum às pessoas que sofrem com alguma doença rara é complexo e de interesse de uma série de agentes. O próprio ambiente das associações é algo que ainda não está clara, muitas vezes, para os próprios associados. Como citado por ARRISCADO em seu trabalho sobre as tendências contemporâneas das pesquisas sociais em saúde, no trecho que argumenta sobre a heterogeneidade das organizações não governamentais, “a pesquisa sobre o universo das ONGs torna-se, por isso, especialmente relevante.”
O ambiente brasileiro está em uma ebulição de informações. Apesar de existir um movimento para conscientização sobre as doenças raras – MDR, percebe-se que o movimento é disperso e muitas associações ainda agem de maneira individualizada. Isso faz com que, muitas vezes, os trabalhos em andamento por outras associações sejam invalidados ou que haja perda de esforço e energia em ações que tinham todo o potencial para terem um grande impacto mas, por algum motivo, sofrem revezes contrários a sua vontade.
O ministério da saúde, após o evento UM DIA RARO, realizado na câmara dos deputados, no dia 29/02, deu um suspiro de interesse sobre o tema. A fala do ministro deixou todos muito empolgados e esperançosos que, finalmente, os problemas das doenças raras serão encarados de maneira séria e comprometida. Por enquanto, pode-se observar que a vontade de conhecer esse ambiente está muito mais ligado a boas vontades individuais dentro do Ministério do que o interesse de construir uma política institucionalizada para todos os mais de 15 milhões de brasileiros que convivem com alguma doença rara de maneira direta e 60 de maneira indireta. A agenda prometida pelo ministro para encontro com as associações ainda está aberta.
A Academia é um dos atores que trata esse assunto da maneira mais imparcial e eficaz tanto para os pacientes como para família. É muito comum, para não dizer que quase a totalidade, que os centros de atendimentos a determinadas doenças estejam ligadas a universidades. Há o interesse dos pesquisadores em conhecer os possíveis tratamentos existentes para os pacientes e as formas de poder melhorar a qualidade de vida.
A indústria possui seu interesse no desenvolvimento da temática pelo objetivo da geração de riqueza. Claro que é diretamente proporcional a existência da medicação mas, no entanto, é incontestável que sem a sua atuação a realidade dos pacientes seria bem pior.
Voltando a questão inicial do texto, a primeira coisa que deve ser feita é a separação e entendimento dos interesses que movem cada agente relacionado a doenças raras. O Governo deve estar aberto para conversar com todos e saber que a preocupação dos pacientes é única: garantir a medicação e, caso não exista, o fomento ao desenvolvimento de pesquisas que possam apoiar o alargamento do conhecimento sobre as doenças.
A ação conjunta entre Governo e Associações é essencial para uma construção direcionada plenamente aos interesses dos cidadãos e dentro da capacidade do Estado. O trabalho conjunto entre Estado e Sociedade, de acordo com o trabalho de LIMA (2006), é uma perspectiva de construção do próprio SUS onde os movimentos sociais ligados ao movimento sanitário brasileiro e a articulação de outros interessados fizeram que em 1988 a saúde fosse um direito de cidadania e dever do Estado. 
Uma demanda clara da comunidade ligada as doenças raras é a atenção para  criação de informações sobre o diagnóstico das diferentes doenças raras. Esse tipo de informação é um apoio estrutural não só aos profissionais de saúde que serão capazes de identificar as doenças e realizar um diagnóstico mais preciso como, também, para os pacientes e familiares que terão o seu tempo de perambulação pelos hospitais em busca de um diagnóstico encolhido. A criação de um catálogo com as doenças raras depende somente da vontade do governo porque não é uma questão difícil. Os profissionais geneticistas, associações e acadêmicos poderão e, na verdade, contam com a possibilidade de produzir um material em que seja possível comunicar os sintomas, o especialista e o local de atendimento dos pacientes. Portanto, a informação existe e está a alcance de muitos mas somente a atuação do Estado é que poderá fazer com que ela seja sistematizada e tornada pública.
 O foco no conhecimento do que existe hoje é fundamental para caminharmos a uma diretriz inclusiva e de atendimento efetivo aos pacientes que pode culminar na criação de Centros de Referência.
A identificação sobre a existência de centros de referência nos diversos estados brasileiros é um trabalho essencial para promover um melhor atendimento aos pacientes. No entanto, a criação e estruturação de um Centro de Referência é o último passo a ser dado após a estruturação de toda cadeia de atendimento ao paciente com doença rara.
Para elucidar o argumento acima, olhamos para Portugal. Esse país possui 10 milhões de habitantes, duas associações de doenças raras a âmbito nacional – Aliança Portuguesa de Associações de Doenças Raras e Associação Nacional de doenças mentais e raras (Raríssimas) – e ainda uma Federação de Doenças Raras – FEDRA.  Portanto é um ambiente bem ativo para toda comunidade. Em julho de 2010, aproximadamente após 10 anos de intenso trabalho sério, que a Raríssimas conseguiu iniciar o projeto da Casa de Marcos. Além de ser um centro de referência aos pacientes com doenças raras esse projeto tem o objetivo de realizar o atendimento 24 horas dos pacientes. Temos muito o que aprender com esse país e a lição inicial é que Centro de Referência não é a primeira coisa a ser pensada.
Com certeza existem ótimos profissionais de saúde em nosso país que desenvolvem seus trabalhos voltados para doenças raras. Provavelmente, eles devem acreditar que realizam sozinhos grande parte de suas atividades. O Ministério da Saúde é o agente mais capaz de realizar a união de todos os interessados mas, para tanto, além de vontade deve saber por onde começar.

Rogério Lima Barbosa
Mestrando em sociologia – Universidade de Coimbra
Presidente da AMAVI – Associação MariaVitoria

Referências bibliográficas
NUNES, João A. A pesquisa em saúde nas ciências sociais e humanas: tendências contemporâneas. Centro de Estudos Sociais – CES, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
LIMA, Juliano de C. Histórias das lutas sociais por saúde no Brasil. Trabalho necessário, ano 4, número 4. 2006.
Recomendação do Concelho de 08 de junho de 2009 relativa a uma ação europeia em matéria de doenças raras.  Jornal oficial da união europeia. 3/07/2009

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